Editorial
por Graça Capinha - Directora da Revista
a sala de seminários do instituto de estudos ingleses
parecia-me sempre enorme a madeira da grande mesa
rectangular impondo-se ao centro deixando-nos um pequeno
canto do seu castanho antigo como refúgio mesmo debaixo da
janela em luz de fim de tarde. as estantes alongam-se até
ao tecto sobre a mesa a luz oblíqua as vozes de pouco mais
do que meia dúzia de jovens espalhando-se até ao outro
lado. e eu ali desafiada respondendo fora das horas no meu
espanto ao partilhado espanto pelos versos. finalmente
alunos/as a pedir um pouco mais do meu saber (?) sobre a
poesia. o grupo é pequeno mas há que acreditar no trabalho
à pequena escala como aprendi naquele programa de poética
que lá do norte americano me trouxe até aqui. disso
queriam também saber mais. da escrita criativa como
objecto de estudo e metodologia e de jovens poetas
aprendizes vindos de toda a américa para trabalhar com
velhos poetas aprendizes.
no ano seguinte com o apoio do meu grupo de estudos
anglo-americanos propus-me criar o curso livre "oficina de
poesia". assim entrou a nova área nos currícula da
faculdade de letras (de alguns anos a esta parte presente
também nas opções "poética e escrita criativa" e "escrita
criativa no ensino"). desde então a noite passou a ser o
tempo do nosso encontro semanal e a pequena sala da
biblioteca do centro de estudos sociais albergou dez anos
e muitas dezenas de jovens poetas. e muitas leituras
muitos exercícios de escrita muitas poéticas muitas
discussões tremendas muitas noites que me (nos?) tiravam o
sono — o maior desafio a qualquer prática pedagógica.
sobrevivi. sobrevivemos. e fortes laços de respeito e
amizade foram criando raiz. assumindo a sua
transindividualidade poética e/ou discursiva alguns/mas
poetas daquela primeira "turma" ainda hoje participam no
seminário semanal. outros/as a viver longe mantêm contacto
e ainda enviam material para publicação como acontece
neste número especial.
uma revista. primeiro anual depois semestral. vários
primeiros livros. várias participações em outras revistas
e antologias de poesia nacionais e internacionais. prémios
literários nacionais e internacionais. militante
intervenção poética na comunidade através de leituras
públicas e acções de rua. investigação através de
experiências interartes (de que Belgais foi ponto alto).
acções de formação para professores e alunos/as de muitas
escolas do ensino básico e secundário. participação em
encontros de poesia. enfim muito trabalho desenvolvido
desde aquele pequeno grupo de há 10 anos na enorme sala de
seminários do instituto de estudos ingleses.
porque a poesia só tem sentidos na comunidade. no meio do
ruído imenso produzido pelo embate sempre violento entre
os vários poderes dos vários discursos presentes na
sociedade e na história. porque a poesia serve o que não é
dizia Dante. só por isso nos serve. na sua radicalidade
social e política lugar de procura infinita. não tendo o
que dizer sempre procurando o que dizer. sempre
experimental sempre um processo e nunca um produto.
dentro do cânone e sem hierarquias de qualquer cânone
muitos/as poetas e outros artistas e especialistas
reconhecidos/as portugueses/as e estrangeiros/as
colaboraram no trabalho da "oficina de poesia" ao longo
destes 10 anos. ofereceram inéditos para publicar ao lado
de jovens desconhecidos/as. participaram no seminário e/ou
nas leituras públicas. com toda a generosidade. porque
sabem melhor do que ninguém que toda a arte se o é
verdadeiramente significa dádiva generosa. muitos/as —
os/as que conseguimos ainda contactar — ofereceram novo
trabalho que aqui se publica. alguns/mas — sobretudo
artistas visuais — publicam agora connosco pela primeira
vez. em meu nome e em nome de todos os membros da "oficina
de poesia" a todos/as eles/as — novos/as e reincidentes —
o nosso agradecimento.
nenhum deste trabalho teria sido possível sem o apoio dos
vários conselhos directivos e científicos da faculdade de
letras e do centro de estudos sociais e sem o apoio da
reitoria da universidade de coimbra. afinal os mais de 800
anos de história ainda são lugar de abertura intelectual e
espaço para a criatividade. a todos/as os/as responsáveis
pelo apoio concedido pela nossa universidade também os
nossos maiores agradecimentos.
à editora palimage ao seu responsável principal também
subdirector desta revista ao poeta e ficcionista ao editor
ao membro da "oficina de poesia" ao Jorge Fragoso como
agradecer? por todo o trabalho e sobretudo pela paciência
para com os sucessivos atrasos na entrega dos materiais.
os poemas bizarros a escorrer para fora do centro e das
margens. os espaços tresloucados. as línguas
desconhecidas. os erros de computador. a permanente
limitação financeira. etc. etc. enfim como agradecer? só
com muitos poemas palavras outras que nunca serão
suficientes. e que coincidência tão reveladora que também
a palimage esteja a cumprir 10 anos de existência. e que
esta revista seja também uma celebração conjunta. além do
agradecimento também os nossos parabéns.
também de forma especial agradecer ao poeta e artista
plástico Filipe Cravo também ele membro da "oficina de
poesia". mais uma vez no meio dos muitos afazeres da sua
ainda jovem mas promissora carreira artística encontrou
algum tempo para se dedicar à produção gráfica deste
número especial sendo ainda o principal responsável pela
participação de muitos/as dos/as grandes artistas
internacionais que nela colaboram.
quanto a vós membros da "oficina de poesia" aqueles/as a
quem recuso chamar alunos/as e ex-alunos/as chamando-vos
apenas poetas — os poetas desta pequena comunidade poética
que juntos criámos — e mesmo sabendo que se vos ensinei
alguma coisa foi sobretudo a não-comunicação das palavras
obrigada pelos 10 anos de desafio intelectual obrigada
pelos muitos poemas obrigada pela vossa dádiva generosa e
pelo muito que convosco aprendi.
finalmente não posso deixar de agradecer ao público da
poesia. àquele que nos acompanhou nestes 10 anos e que fez
esgotar alguns dos números desta revista (espantosamente
pois a poesia não vende dizem os livreiros). esperamos que
nos possam acompanhar durante pelo menos outros 10 anos
para que possamos continuar a louvar-vos como Nanni
Balestrini vos louva. a vós público da poesia:
(…)
como sempre não tenho nada para lhe dizer
como sempre o público da poesia sabe isso muito bem
mas di-lo apenas de si para si e não em voz alta
não só porque é delicado solícito jovial
e no fundo também reservado optimista de bom trato
mas acima de tudo porque ama
ama de um amor profundo sincero irresistível
dum amor tenaz exclusivo dilacerante
(…)
louvado seja pois o público da poesia
louvado o seu justo nobre grande amor pela poesia
em cujo reflexo nós pálidos e humildes mensageiros
vivemos gratos e bem-dizentes
(…)
Graça Capinha
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