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As abordagens à paz e a (re)produção da violência em Moçambique
Com o fim dos 16 anos de guerra civil entre a Frelimo e a Renamo, Moçambique foi considerado, durante um largo período, tanto no mundo académico como no do policy-making, uma das poucas “histórias de sucesso” em África. Este rótulo foi-lhe atribuído devido ao seu processo de paz – em particular em decorrência do Acordo de Paz assinado em 1992, ao qual antecedeu um período de mediação internacional e que originou uma missão de paz das Nações Unidas – assim como à transição política e económica que se lhe seguiu. O caminho de uma sociedade dilacerada pela guerra para uma sociedade capaz de conduzir eleições democráticas e atingir um elevado crescimento económico foi promovido e financiado pela comunidade internacional, atraindo uma atenção considerável por parte da comunidade científica e garantindo ao país um estatuto privilegiado quer entre doadores internacionais, quer dentro da academia. A preocupação com questões como a governação hegemónica da Frelimo e a ausência de uma estratégia de desenvolvimento ampla e inclusiva permaneceu marginal, com estes pontos a ser relegados à categoria de problemas passíveis de serem solucionados. Em 2013, cerca de 20 anos após o Acordo de Paz, o ressurgimento da hostilidade armada entre as antigas partes beligerantes desafiou a ideia de sucesso até então apregoada. A investigação recente na área dos estudos da paz e dos conflitos tem revelado a existência de problemas nas abordagens defendidas durante a década de 90 e que tinham o caso moçambicano como expoente. A oposição binária entre guerra e paz tem vindo a ser contestada por uma visão matizada, que aponta para a existência de continuidades entre os momentos de conflito e de paz. Também a centralidade dos acordos de partilha de poder, que se traduzem na existência de pactos formais entre elites políticas, tem sido questionada, atribuindo-se maior importância à necessidade de empoderamento e mobilização de atores e recursos locais. Igualmente, as abordagens de contra-insurgência e de contra-terrorismo, direcionadas para a imposição de uma vitória militar, têm sido criticadas como insuficientes ou, pior, contra-producentes. E, no entanto, o novo processo de paz iniciado em Moçambique em 2013 (com o acordo de paz assinado em agosto 2019) e a abordagem governamental contra a militância islâmica no Norte parecem estar desfasados destas reflexões, reproduzindo aspetos presentes nos anteriores quadros de análise e em experiências prévias, que têm reforçado a violência estrutural e direta, por oposição a um processo de paz abrangente, multidimensional e capacitador. Contrastando os novos desenvolvimentos e as perspetivas mais inovadoras defendidos nos discursos académicos e institucionais nesta área com o mais recente processo de paz moçambicano e a atual estratégia de combate ao fundamentalismo islâmico, este projeto responde à seguinte pergunta de partida: que entendimentos de violência e paz, e que atores e interesses, estão a moldar as atuais políticas moçambicanas, e quais são as implicações que daqui decorrem para o futuro do país?