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FRA exige salvaguarda dos direitos fundamentais na digitalização da justiça

A Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) sublinha, no seu mais recente relatório “Digitalização da Justiça: uma abordagem baseada nos direitos fundamentais”, a importância de se assegurar que a transformação digital dos sistemas judiciais europeus não põe em causa direitos fundamentais, como o acesso à justiça, a proteção de dados pessoais e o direito a um julgamento justo.

O estudo desenvolvido pela FRA analisou 31 ferramentas digitais de justiça, em sete países da UE – Áustria, Estónia, França, Itália, Letónia, Polónia e Portugal –, e envolveu entrevistas com profissionais da justiça, responsáveis governamentais e especialistas técnicos. Entre as soluções avaliadas estão sistemas de videoconferência em julgamentos, plataformas online para gestão processual, denúncia de crimes e acesso ao direito e ferramentas de anonimização de sentenças baseadas em inteligência artificial.

Como sublinha a diretora da FRA, Sirpa Rautio, «A digitalização é muito promissora para os sistemas judiciais. Pode tornar a justiça mais rápida, fácil e acessível. Mas, para realmente aproveitar os seus benefícios, devemos avaliar cuidadosamente o seu impacto total nos direitos fundamentais. Devemos também colmatar as clivagens digitais e garantir o acesso à justiça para todos, para que ninguém seja deixado para trás.»

A FRA destaca que a digitalização só cumprirá os seus objetivos se forem observadas salvaguardas sólidas. O relatório recomenda cinco eixos fundamentais:

- Incorporar garantias de direitos fundamentais desde a conceção das ferramentas digitais; 
- Alargar a consulta na construção das ferramentas digitais a especialistas em direitos humanos, sociedade civil e pessoas com deficiência;
- Manter alternativas não digitais, assegurando que ninguém é excluído por motivos de idade, pobreza ou literacia digital;
- Reforçar a formação em direitos fundamentais, prevenindo riscos de discriminação e violações de dados;
- Promover uma monitorização contínua para melhorar as soluções existentes.


O caso português

Em Portugal, a análise, desenvolvida pelo Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, incidiu sobre cinco ferramentas digitais – Magistratus, RAL+, Plataforma de Acesso ao Direito, Sistema de Videoconferência e Software de Anonimização de Decisões Judiciais –, com base em três dezenas de entrevistas a magistrados/as, juristas, responsáveis governamentais e pessoal técnico.

O estudo identificou quatro desafios críticos adicionais aos já referidos pela FRA: a instabilidade das políticas públicas de justiça, a falta de coordenação institucional, a escassez de recursos financeiros e humanos e a ausência de uma cultura de monitorização e avaliação contínua das soluções digitais.

Os profissionais portugueses reconhecem o potencial da digitalização, mas alertam para os seus limites. “Um dia, podemos chegar à conclusão que certas atividades públicas não podem ser digitalizadas como outras”, observou um juiz. Referiu ainda que “Esta história de que tem que estar tudo digitalizado da mesma maneira para ser tudo ‘simplex’ e automatizado pode ter limites.”

Por outro lado, como refere um jurista citado no estudo, “Mesmo alguém com destreza digital, quando se encontra numa situação de crise, tem dificuldade em lidar com burocracias online”, o que é corroborado pelas conclusões de outro juiz, que referiu que, “Neste momento, ninguém consegue ser juiz, advogado ou procurador sem conhecimentos informáticos. Quem entra no CEJ [Centro de Estudos Judiciários] e é analfabeto tecnológico não vai conseguir exercer funções”.

Com este relatório, a FRA reforça o apelo a uma digitalização justa, inclusiva e respeitadora dos direitos fundamentais, garantindo que a tecnologia deve servir a justiça – e não o contrário.

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Relatório comparativo: https://fra.europa.eu/en/publication/2025/digitalisation-justice
Relatório de Portugal: https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/digitalising_justice_-_country_research_-_portugal.pdf