Teses Defendidas
O que a lei vê e o trabalhador sente. O modelo de reparação dos acidentes de trabalho em Portugal
23 de Fevereiro de 2016
Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI
António Casimiro Ferreira
e
João Leal Amado
O mundo laboral vive atualmente um momento marcado pela incerteza quanto ao futuro e pela certeza de que o presente é de crise e de recessão. O trabalho, alterado nos seus conteúdos e formas, nas suas modalidades, espaços e tempos, é atravessado por uma crise que afeta tanto o seu valor como os seus significados e contextos. Estas transformações, intensificadas pelos processos de globalização económica, encontram
nas condições de trabalho, descritas como responsáveis pela intensificação e multiplicação dos riscos profissionais, novos quadros existenciais de incerteza que questionam o valor do trabalho enquanto identidade e do direito enquanto reconhecimento.
Como consequência da forte degradação das condições de trabalho e do aumento dos riscos profissionais, milhões de trabalhadores em todo o mundo morrem ou ficam gravemente feridos devido a acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais. A problemática da sinistralidade laboral, não sendo nova, tem sido alvo de uma crescente preocupação teórica e política justificada pelo número de acidentes de trabalho registados e pelo facto de estes condensarem no corpo e vida dos trabalhadores o conflito entre capital e trabalho.
Os acidentes de trabalho, enquanto evento imprevisto e indesejável de que pode resultar uma lesão ou a morte, apresentam-se como um fenómeno complexo e multifacetado. A montante ou a jusante, na identificação e prevenção das suas causas ou na compreensão e reparação das suas consequências, os acidentes de trabalho constituem-se como um desafio à efetiva proteção jurídica dos trabalhadores. Por outras palavras, assumem-se
como uma dinâmica de possível exclusão do trabalho e, por conseguinte, uma negação da cidadania e da dignidade. Neste sentido, continuam a desafiar o direito do trabalho, em particular o direito à reparação, a uma maior efetividade e a um reconhecimento do valor do trabalho e da dignidade do trabalhador.
Partindo do pressuposto que a ocorrência de um acidente de trabalho altera a trajetória individual, social e familiar de um indivíduo, esta investigação procurou discutir e questionar a efetividade do sistema de proteção e de reparação dos acidentes de trabalho. Circunscrito à realidade portuguesa, este trabalho refletiu sobre as experiências individuais de sinistralidade e procurou perceber de que modo o acidente de trabalho altera as identidades e a conceção de trabalhador.
A análise do modelo de reparação dos acidentes de trabalho em Portugal, construída teoricamente com base numa abordagem sociojurídica da regulação do risco e do reconhecimento do valor do trabalho, consubstanciou-se em termos metodológicos numa comparação entre a evolução do dispositivo reparatório, que tutela o direito à vida e à integridade física do trabalhador e reconhece o valor do trabalho e do trabalhador, e
o recurso às histórias de vida dos trabalhadores sinistrados. O direito à reparação do acidente de trabalho, não obstante a evolução verificada ao longo do último século, continua a proteger juridicamente, quase em exclusivo, a integridade económica ou produtiva do trabalhador sinistrado, na medida em que os danos indemnizáveis dizem respeito apenas à redução da capacidade de ganho ou de trabalho. O conhecimento das trajetórias individuais e laborais dos trabalhadores sinistrados revelou as fragilidades decorrentes da reparação dos danos sofridos na vida concreta dos trabalhadores
sinistrados ou das suas famílias, ao mesmo tempo que demostrou uma visão redutora do ser humano enquanto trabalhador.
Ao demonstrar que as consequências de um acidente de trabalho vão além das reguladas juridicamente, esta investigação concluiu, por um lado, que os trabalhadores sujeitos a uma experiência de acidente de trabalho veem intensificadas as condições de vulnerabilidade social conexas à exposição aos riscos profissionais e à regulação jurídica dos mesmos, e, por outro, que a definição jurídica de responsabilidade pelo dano de acidente de trabalho e, consequentemente, pelo reconhecimento do valor do trabalhador sinistrado potenciam o aumento das condições de insegurança para os trabalhadores.
Estas conclusões são visíveis no facto de os impactos do acidente extravasarem a esfera laboral e dos danos sofridos irem muito além da perda da capacidade de trabalho, abrangendo igualmente as dimensões individuais, familiares e sociais.
Vítima do trabalho, das suas condições e do acidente, o trabalhador sinistrado vê-se, igualmente, como uma vítima da proteção jurídica ao descobrir, após o acidente, que é um cidadão de segunda classe e um trabalhador pela metade, reduzido à sua dimensão produtiva, a uma simples peça de uma máquina e/ou do processo produtivo, cujo reconhecimento se expressa meramente na sua capacidade produtiva e valor económico.
PALAVRAS-CHAVE: acidentes de trabalho; impactos dos acidentes de trabalho; direito à reparação; dignidade e reconhecimento.
Data de Defesa
Programa de Doutoramento
Orientação
Resumo
nas condições de trabalho, descritas como responsáveis pela intensificação e multiplicação dos riscos profissionais, novos quadros existenciais de incerteza que questionam o valor do trabalho enquanto identidade e do direito enquanto reconhecimento.
Como consequência da forte degradação das condições de trabalho e do aumento dos riscos profissionais, milhões de trabalhadores em todo o mundo morrem ou ficam gravemente feridos devido a acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais. A problemática da sinistralidade laboral, não sendo nova, tem sido alvo de uma crescente preocupação teórica e política justificada pelo número de acidentes de trabalho registados e pelo facto de estes condensarem no corpo e vida dos trabalhadores o conflito entre capital e trabalho.
Os acidentes de trabalho, enquanto evento imprevisto e indesejável de que pode resultar uma lesão ou a morte, apresentam-se como um fenómeno complexo e multifacetado. A montante ou a jusante, na identificação e prevenção das suas causas ou na compreensão e reparação das suas consequências, os acidentes de trabalho constituem-se como um desafio à efetiva proteção jurídica dos trabalhadores. Por outras palavras, assumem-se
como uma dinâmica de possível exclusão do trabalho e, por conseguinte, uma negação da cidadania e da dignidade. Neste sentido, continuam a desafiar o direito do trabalho, em particular o direito à reparação, a uma maior efetividade e a um reconhecimento do valor do trabalho e da dignidade do trabalhador.
Partindo do pressuposto que a ocorrência de um acidente de trabalho altera a trajetória individual, social e familiar de um indivíduo, esta investigação procurou discutir e questionar a efetividade do sistema de proteção e de reparação dos acidentes de trabalho. Circunscrito à realidade portuguesa, este trabalho refletiu sobre as experiências individuais de sinistralidade e procurou perceber de que modo o acidente de trabalho altera as identidades e a conceção de trabalhador.
A análise do modelo de reparação dos acidentes de trabalho em Portugal, construída teoricamente com base numa abordagem sociojurídica da regulação do risco e do reconhecimento do valor do trabalho, consubstanciou-se em termos metodológicos numa comparação entre a evolução do dispositivo reparatório, que tutela o direito à vida e à integridade física do trabalhador e reconhece o valor do trabalho e do trabalhador, e
o recurso às histórias de vida dos trabalhadores sinistrados. O direito à reparação do acidente de trabalho, não obstante a evolução verificada ao longo do último século, continua a proteger juridicamente, quase em exclusivo, a integridade económica ou produtiva do trabalhador sinistrado, na medida em que os danos indemnizáveis dizem respeito apenas à redução da capacidade de ganho ou de trabalho. O conhecimento das trajetórias individuais e laborais dos trabalhadores sinistrados revelou as fragilidades decorrentes da reparação dos danos sofridos na vida concreta dos trabalhadores
sinistrados ou das suas famílias, ao mesmo tempo que demostrou uma visão redutora do ser humano enquanto trabalhador.
Ao demonstrar que as consequências de um acidente de trabalho vão além das reguladas juridicamente, esta investigação concluiu, por um lado, que os trabalhadores sujeitos a uma experiência de acidente de trabalho veem intensificadas as condições de vulnerabilidade social conexas à exposição aos riscos profissionais e à regulação jurídica dos mesmos, e, por outro, que a definição jurídica de responsabilidade pelo dano de acidente de trabalho e, consequentemente, pelo reconhecimento do valor do trabalhador sinistrado potenciam o aumento das condições de insegurança para os trabalhadores.
Estas conclusões são visíveis no facto de os impactos do acidente extravasarem a esfera laboral e dos danos sofridos irem muito além da perda da capacidade de trabalho, abrangendo igualmente as dimensões individuais, familiares e sociais.
Vítima do trabalho, das suas condições e do acidente, o trabalhador sinistrado vê-se, igualmente, como uma vítima da proteção jurídica ao descobrir, após o acidente, que é um cidadão de segunda classe e um trabalhador pela metade, reduzido à sua dimensão produtiva, a uma simples peça de uma máquina e/ou do processo produtivo, cujo reconhecimento se expressa meramente na sua capacidade produtiva e valor económico.
PALAVRAS-CHAVE: acidentes de trabalho; impactos dos acidentes de trabalho; direito à reparação; dignidade e reconhecimento.